segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Caminhos para a Paz no Rio

Por Marina Silva:

Ao ver as cenas de carros blindados subindo o Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, ladeados por crianças carregando pequenos cartazes escritos improvisadamente “PAZ”, lembrei-me da música de Chico Buarque que diz: “a dor da gente não sai no jornal”.  Contrariando a musica, nos episódios que envolvem o Estado do Rio de Janeiro, nunca dor, esperança e horror juntos e misturados foram tão visceralmente vistos e mencionados: nos jornais, na TV, no rádio, na Internet, em todo lado.
O Estado foi desafiado pelo crime organizado. Reagiu firmemente e empregando recursos de grande contundência, mas também de forma prudente, cuidadosa, enviando sinais de que está preocupado com os limites impostos pela legalidade. A integração bem coordenada entre os governos federal, estadual e municipal demonstrou que é não apenas possível, mas indispensável promover a cooperação interinstitucional e intergovernamental continuada.

A decisão de permanecer na área ocupada, provendo a segurança à população local com respeito às leis e aos direitos humanos, reverte a prática convencional das incursões bélicas, seguidas de retiradas e abandono. Afinal, as comunidades são partes da cidade e têm direito a policiamento de qualidade 24 horas por dia, como qualquer outro bairro.

O apoio popular mostra que a sociedade gosta, aprova e deseja a presença da polícia, sempre que ela se traduz em respeito e garantia de seus direitos e suas liberdades, sobretudo quando respeita a sua dignidade e a sua vida (mas desaprova e teme a polícia brutal, que viola direitos, humilha, tortura e mata, assim como repele a polícia corrupta). Esse apoio também prova que o povo pobre sonha com a paz. Por isso, passada a fase aguda de reação e demonstração de força, precisamos criar condições para que a paz se mantenha no Morro do Alemão e alcance outros espaços sem que seja necessário o aparato de guerra.
O primeiro passo é prover as áreas vulneráveis com políticas públicas que garantam educação, saúde e habitação de qualidade, condições ambientais saudáveis, acesso ao lazer e aos meios de criação cultural, emprego digno e renda. Não porque isso seja uma das estratégias para prevenir a violência, mas porque tratam-se de direitos universais.

Para realmente alterar de forma profunda a situação da segurança pública no Rio e no Brasil precisamos de uma ação efetiva, corajosa e transparente para valorizar os policiais, qualificá-los, tornar as polícias governáveis e libertá-las da “ocupação promovida por criminosos”. Entre crime e polícia, tem havido progressiva e degradante interpenetração, ainda que haja dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam a vida por salários indignos (no Rio, os segundos mais baixos do país). Sem mudar as polícias, controlar a corrupção, acabar com as execuções extrajudiciais, como transformar as UPPs em política pública duradoura e  com escala?

Isso remete à mudança do modelo policial brasileiro e à alteração do artigo 144 da Constituição Federal. Durante a campanha presidencial, defendi a implantação de uma “nova estrutura institucional da Segurança Pública”. No segundo turno, propus aos dois candidatos que assumissem o compromisso de encaminharem ao Congresso Nacional um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para reforma do modelo policial brasileiro. Em resposta, a então candidata Dilma afirmou que essas questões serão objeto de uma proposta a ser enviada ao Congresso no menor prazo possível, consultados os entes federativos. Enquanto isso não acontece, o Rio de Janeiro não pode cruzar os braços. É necessário agir, reduzir danos e enfrentar o desafio, a despeito das deficiências do modelo. 

Marina Silva, 52, é senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da República nestas eleições e ministra do Meio Ambiente do governo Lula (2003-2008).

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