Ao ver as cenas de carros blindados
subindo o Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, ladeados por crianças
carregando pequenos cartazes escritos improvisadamente “PAZ”, lembrei-me
da música de Chico Buarque que diz: “a dor da gente não sai no
jornal”. Contrariando a musica, nos episódios que envolvem o Estado do
Rio de Janeiro, nunca dor, esperança e horror juntos e misturados foram
tão visceralmente vistos e mencionados: nos jornais, na TV, no rádio, na
Internet, em todo lado.
O Estado foi desafiado pelo crime
organizado. Reagiu firmemente e empregando recursos de grande
contundência, mas também de forma prudente, cuidadosa, enviando sinais
de que está preocupado com os limites impostos pela legalidade. A
integração bem coordenada entre os governos federal, estadual e
municipal demonstrou que é não apenas possível, mas indispensável
promover a cooperação interinstitucional e intergovernamental
continuada.
A decisão de permanecer na área ocupada,
provendo a segurança à população local com respeito às leis e aos
direitos humanos, reverte a prática convencional das incursões bélicas,
seguidas de retiradas e abandono. Afinal, as comunidades são partes da
cidade e têm direito a policiamento de qualidade 24 horas por dia, como
qualquer outro bairro.
O apoio popular mostra que a sociedade
gosta, aprova e deseja a presença da polícia, sempre que ela se traduz
em respeito e garantia de seus direitos e suas liberdades, sobretudo
quando respeita a sua dignidade e a sua vida (mas desaprova e teme a
polícia brutal, que viola direitos, humilha, tortura e mata, assim como
repele a polícia corrupta). Esse apoio também prova que o povo pobre
sonha com a paz. Por isso, passada a fase aguda de reação e demonstração
de força, precisamos criar condições para que a paz se mantenha no
Morro do Alemão e alcance outros espaços sem que seja necessário o
aparato de guerra.
O primeiro passo é prover as áreas
vulneráveis com políticas públicas que garantam educação, saúde e
habitação de qualidade, condições ambientais saudáveis, acesso ao lazer e
aos meios de criação cultural, emprego digno e renda. Não porque isso
seja uma das estratégias para prevenir a violência, mas porque tratam-se
de direitos universais.
Para realmente alterar de forma profunda
a situação da segurança pública no Rio e no Brasil precisamos de uma
ação efetiva, corajosa e transparente para valorizar os policiais,
qualificá-los, tornar as polícias governáveis e libertá-las da “ocupação
promovida por criminosos”. Entre crime e polícia, tem havido
progressiva e degradante interpenetração, ainda que haja dezenas de
milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam a vida por
salários indignos (no Rio, os segundos mais baixos do país). Sem mudar
as polícias, controlar a corrupção, acabar com as execuções
extrajudiciais, como transformar as UPPs em política pública duradoura
e com escala?
Isso remete à mudança do modelo policial
brasileiro e à alteração do artigo 144 da Constituição Federal. Durante
a campanha presidencial, defendi a implantação de uma “nova estrutura
institucional da Segurança Pública”. No segundo turno, propus aos dois
candidatos que assumissem o compromisso de encaminharem ao Congresso
Nacional um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para reforma do
modelo policial brasileiro. Em resposta, a então candidata Dilma afirmou
que essas questões serão objeto de uma proposta a ser enviada ao
Congresso no menor prazo possível, consultados os entes federativos.
Enquanto isso não acontece, o Rio de Janeiro não pode cruzar os braços. É
necessário agir, reduzir danos e enfrentar o desafio, a despeito das
deficiências do modelo.
Marina Silva, 52, é
senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da
República nestas eleições e ministra do Meio Ambiente do governo Lula
(2003-2008).
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