quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Intervenção

Virgínia Maria saiu do centro empresarial onde trabalha e enxugou algumas lágrimas que escorriam em silêncio por seu rosto. Já não conseguia mais lembrar o que significava o amor do seu Yorkshire, do seu irmão, do seu sobrinho que morava na Austrália, da sua mãe, da sua vizinha de praia que encontrava somente uma vez por ano, das flores, dos romances cinematográficos, nada... Ela só conseguia pensar no amor de Paulo. Ou na falta dele, por assim dizer. As lágrimas embaçavam sua visão e ela discretamente mexia nos óculos para continuar trilhando os pensamentos infindáveis de sua cabeça e para escutar o toque constante do seu salto no chão. Ao descer o 2º degrau de uma moderna escadaria que recepcionava os freqüentadores e visitantes daquele prédio, Virgínia Maria se depara com uma grande intervenção urbana projetada no grandioso prédio da frente, um centro cultural. Ela pára. Seus pensamentos cessam por alguns segundos. Seus olhos se limpam. Ela totalmente paralisada e hipnotizada aprecia o trabalho daqueles homens pendurados num andaime, colocando a última peça do “quebra-cabeça”. Ela levanta os óculos e sem pudor ou vergonha nenhuma de ser vista enxuga suas lágrimas e então lê: AMAR – Que pode entre criaturas senão, entre criaturas amar?

AMAR

TOCAR ARREPIAR

ROÇAR AR GOSTAR RESPEITAR

ORAR AR ESCUTAR INSPIRAR APOIAR

SUAR ENFATIZAR AMAR ARDER UMIDECER

ESFALECER ENLOUQUECER AMANHECER ERGUER

ESQUECER EMUDECER AMANHECER ENTORPECER

ENVAIDECER ESTREMECER ANOITECER ARDER RIR IR

VIR FLUIR CUMPRIR SUPRIR SUCUMBIR IMPRIMIR

FLUIR SORRIR GRUNHIR CUMPRIR INFRINGIR

INTUIR RIR SOLUÇAR SONHAR GOZAR

SUAVIZAR AR ACORDAR LUAR VOAR

AR CHORAR VACILAR OLHAR

APAIXONAR SUSPIRAR

SOLUÇAR

Essas palavras invadem o seu ser. Virgínia se sentiu sufocada, libertada, incomodada, aliviada, estimulada. Ela respira fundo. Coloca os óculos. Seu telefone vibra no bolso da sua jaqueta. Era Paulo... Ela respirou fundo. Uma lágrima escorre. Como que num suspiro Virgínia Maria recusa a ligação e desce a escada cabisbaixa, pensativa, intrigada com o significado do verbo AMAR e os muitos outros verbos que agregam sentido e razão à ele. Ela se distanciou... E o quebra-cabeça, ali tão estático, desempenhou seu papel: interveio! E a fez pensar...


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