Abriu a porta de sua F1000 e sentou-se. Sua respiração estava ofegante. O sol de verão tinha deixado seu carro e seu corpo tão quentes quanto suas idéias. Abriu todos os vidros e apoiou seus cotovelos na direção e sua cabeça ficou apoiada entre suas mãos. Pensou nela. Ela era a única que não estava envolvida nesta sujeira toda. Lembrou da primeira vez que tirou sua roupa... Ela ficou com um jeito de menina, mas em pouco tempo tornara-se uma mulher fugaz. Nunca tinha sido sua namorada, mas era ela quem deveria ter sido a mãe dos filhos dele. Sorriu... Pensou que com todo o tumulto do dia, essa fora a primeira vez, desde o acordar, que colocara um sorriso no rosto. Este dia estava pesado, parecia quase infindável, mas no fundo, sentiu um alívio, esperara por este terremoto há meses. De súbito, ele procura seus óculos de sol no porta-luvas, os colocou e deu partida em sua camionete. Ele gostaria mesmo era de fugir dos seus pensamentos, mas resolveu que fugir daquela casa da praia já lhe seria o bastante no momento. Acelerou, pegou o asfalto e foi remontando todos os acontecimentos de uma história que agora chegara ao fim. Na verdade parecia o fim, mas só ele sabia que a história terminaria de outra forma se ele quisesse. E ele queria! Sentiu um mau hálito tomando conta de sua boca. Como flashes, o sorriso dela lhe parecia confortar todo o mal-estar. Ela não tinha nada a ver com tudo isso. Ela era santa, era pura, imaculada. Ele não, ele era um pecador. Pior que isso ainda, ele era um traidor. Era um traidor em todos os sentidos, mas pior que isso ainda, ele também era o traído. Começou a chorar. Não sabia mais se acreditava em Deus, mas entre lágrimas começou a rezar. Implorava por perdão. Como conseguiria viver sabendo que tinha traído seu patrão, seu sogro, sua namorada, sua filha e como se isso ainda não bastasse, ele também havia traído seu próprio amor e o amor Dela. Ela que deveria ter sido a mãe dos filhos dele... Sentia-se sujo e acelerava mais. Seus pensamentos pareciam obedecer ao comando físico e também aceleravam mais... O mau hálito lhe incomodava. Procurou um halls no cinzeiro do painel e encontrou um bilhete de sua namorada:
Amor, Apesar de tanto trabalho, papai me prometeu que hoje você voltaria para a praia... Mamãe e eu vamos fazer teu mousse predileto. Estou ansiosa para te ver e me jogar em seus braços. Da sua eterna, P...
O carro parecia flutuar na estrada. Ele chorou. Poderia acelerar de encontro com a primeira árvore na estrada e assim acabaria com o sofrimento de todos... Como ele pôde ser tão sujo? Lembrou do rosto de sua namorada, que neste momento era oficialmente sua ex. Ela era ingênua... Amassou o bilhete e jogou pela janela. Além de ingênua, ela era passiva e cega pelo visto. Estava diretamente envolvida, mas também não fazia parte da sujeira toda. Diferentemente da moça do belo sorriso, que não estava envolvida de forma alguma, ela continuava limpa. Ele traiu sua namorada e agora ela sabia de tudo. Sabia de tudo de uma das piores maneiras possíveis. Um belo dia de verão ela encontrou uma fita VHS. Sem maldade, intriga ou pretensão alguma colocou esta fita no vídeo cassette. Segundos depois, imagens apareceram na gigantesca tela de televisão: seu lindo namorado comia selvagemente sua adorada mamãe de quatro. Ele a chamava ardentemente de vagabunda e ainda dava uns bons tapas na cara dela. Por alguns instantes seus pensamentos foram direcionados a encontrar uma terminologia mais branda do que “comer selvagemente sua mãe de quatro”, mas sua tentativa foi frustrada e ele começou a sentir seu braço esquerdo formigar. Ele era tão sujo que tinha comido sua sogra, havia traído o emprego que o levara a essa trama toda e era a única coisa sólida que tinha na vida, traiu seu patrão que também era seu sogro, nunca teria dignidade para ensinar moral alguma à sua filha de dois anos, havia sido traído por ele mesmo, pela vontade de ser rico fácil e rapidamente, havia sido traído profissionalmente, pessoalmente e até mesmo seu sogro havia lhe traído! Sim, porque ele havia enxergado tudo, nada dessa lama era novidade ou surpresa para ele, mas ele resolveu deixar o barco correr, resolveu não se intrometer para ver até aonde iria a brincadeira. “Brincadeira...”, balbuciou em voz baixa. Seu mau hálito não lhe deixava enganar que esses devaneios eram sérios e que eram realidade. Freou a camionete. Seu braço adormeceu por completo. Parou no acostamento, abriu a porta, saiu do carro desesperadamente e entre soluços começou a vomitar. Caiu de joelhos. Suas pernas não tinham força para lhe sustentar. Começou a rezar. Nunca se sentira tão só. Soluçou, gritou, chorou, implorou, se odiou e de súbito resolveu calar-se, silenciar-se. Para a pura, ele poderia escrever uma carta contando tudo, explicando todos os detalhes dos pecados que ele tinha cometido. Suas razões. Sim, porque ele tinha razões, ele não era só um cafajeste sem causa. Um traidor pelo prazer sádico de trair. Com certeza ela iria entender... Uma esperança lhe tomou o coração. Ela iria entender!!! Ao fechar os olhos ele viu o rosto dela direitinho. O sorriso era fugaz, o olhar maroto, o cabelo sedoso, a pele cheirosa. Por um momento ou dois ele pôde tocá-la. Ah, se ao menos ela pudesse estar perto dele, ela iria entender e ele não se sentiria tão só. Mas ela estava longe... Onde ela estaria? Os carros passavam como cometas pela estrada. Como num susto ele se jogou para trás e sentou-se no acostamento. Não conseguia mais chorar, nem sustentar seu próprio corpo, tampouco sentir qualquer tipo de esperança. Sua expressão era apática, o mau hálito ainda se fazia presente, o coração parecia não pulsar. Outro carro passa. Suspirou. Apoiou a cabeça entre as mãos e sentiu ódio dele mesmo. Talvez se acelerasse contra a primeira árvore tudo ficaria mais fácil... Lembrou que havia prometido uma reforma na velha casa de sua mãe. Como que de rompante soltou uma gargalhada: “não haveria mais reforma na casa de sua mãe!” Aliás, ela também havia lhe traído. Sentiu ódio, raiva, frio. Sua mãe o estimulava a ser o indigno de respeito que ele era, e ainda lhe dizia que agora seu filho estava tomando rumo na vida. Rumo na vida ou na morte? Indagou... E ainda sempre falava da tal reforma da casa velha: “Agora meu filhinho querido pode pagar a reforma da casa.” Ela não almejava uma casa nova, não, ela só pensava na reforma da casa velha. Vamos demolir aquela casa! Outro suspiro saiu do coração na tentativa frustrada de buscar algum tipo de alívio. Seu braço não estava mais dormente, mas o mau hálito era persistente. O calor inebriava seus pensamentos. Tirou a camiseta suja tanto de suor quanto que um pouco de vômito e enxugou sua testa, seu peito. Resolveu partir. Talvez escrever uma carta. Uma não, poderia escrever duas ou três. Poderia usar o pretexto da carta para explicar-se ou para talvez diminuir as dores causadas. Se ela pudesse estar ali, ela entenderia... Fechou a porta. Deu partida. Suspirou. Silenciou... Sentiu o mau hálito. Se ao menos pudesse encontrar uma árvore...
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