Leia artigo de Luiz Felipe Pondé na Folha do dia 30/ago/2010:
Você acredita em justiça social? Tenho minhas dúvidas. Engasgou? Como pode alguém não crer em justiça social? Calma, já explico. Quem em sã consciência seria contra uma vida “menos ruim”? Não eu. Mas cuidado: o jargão “por uma sociedade mais justa” pode ser falado pelo pior dos canalhas. Assim como dizer “vou fazer mais escolas”, dizer “sou por uma sociedade mais justa” pode ser golpe.
Aliás, que invasão de privacidade é essa propaganda política gratuita na mídia, não? O desgraçado comum, indo pro trabalho no trânsito, querendo um pouco de música pra aliviar seu dia a dia, é obrigado a ouvir a palhaçada sem graça dos candidatos. Ou o blablablá compenetrado de quem se acha sério e acredita que sou obrigado a ouvi-lo.
Mas voltando à justiça social, proponho
a leitura do filósofo escocês David Hume (século 18), “An Enquiry
Concerning the Principles of Morals, Section III”. Cético e irônico,
Hume foi um dos maiores filósofos modernos. É conhecida sua ironia
para com a ideia de justiça social. Ele a comparava aos delírios dos
cristãos puritanos de sua época em busca de uma vida pura. Para Hume,
os defensores de um “critério racional” de justiça social eram tão
fanáticos quanto os fanáticos da fé.
Sua crítica visava a possibilidade de
nós termos critérios claros do que seria justo socialmente. Mas ele
também duvidava de quem estabeleceria essa justiça “criteriosa” e de
como se estabeleceria esse paraíso de justiça social no mundo. Se você
falar em educação e saúde, é fácil, mas e quando vamos além disso no
“projeto de justiça social”? Aqui é que a coisa pega.
Mas antes da pergunta “o que é justiça
social?”, podemos perguntar quem seriam “os paladinos da justiça
social”. Seria gente honesta? Ou aproveitadores do patrimônio dos
outros e da “matéria bruta da infelicidade humana”, ansiosos por fazer
seus próprios patrimônios à custa do roubo do fruto do trabalho alheio
“em nome da justiça social”? Humm…
A semelhança dos hipócritas da fé que
falavam em nome da justiça divina para roubar sua alma, esses
hipócritas falariam em nome da justiça social para roubar você. Ambas
abstratas e inefáveis, por isso mesmo excelentes ferramentas para
aproveitadores e mentirosos, as justiças divina e social seriam armas
poderosas de retórica autoritária e mau-caráter.
Suspeito de que se Hume vivesse hoje
entre nós, faria críticas semelhantes à oligarquia de esquerda que se
apoderou da máquina do governo brasileiro manipulando uma linguagem de
“justiça social”: controle da mídia, das escolas, dos direitos
autorais, das opiniões, da distribuição de vagas nas universidades,
tudo em nome da “justiça social”. Ataca-se assim, o coração da vida
inteligente: o pensamento e suas formas materiais de produção e
distribuição.
A tendência autoritária da política
nacional espanta as almas menos cegas ou menos hipócritas. A oligarquia
de esquerda associa as práticas das velhas oligarquias ao maior
estelionato da história política moderna: a ideia de fazer justiça
social a custa do trabalho (econômico e intelectual) alheio.
Outro filósofo britânico, Locke (século
17), chamava a atenção para o fato de que sem propriedade privada não
haveria qualquer liberdade possível no mundo porque liberdade, quando
arrancada de sua raiz concreta, a propriedade privada (isto é, o fruto
do seu esforço pessoal e livre e que ninguém pode tomar), seria irreal.
Instalando-se num ambiente antes ocupado
pela oligarquia nordestina, brutal e coronelista, e sua aliada, a
chique oligarquia industrial paulista, os “paladinos da justiça
social” se apoderam dos mecanismos de controle da sociedade e passam a
produzir sucessores e sucessoras tirando-os da cartola, fazendo uso da
mais abusiva retórica e máquina de propaganda.
Engana-se quem acha que propriedade
privada seja apenas “sua casa”. Não, a primeira propriedade privada
que existe é invisível: sua alma, seu espírito, suas ideias. É sobre
elas que a oligarquia de esquerda avança a passos largos. Em nome da
“justiça social” ela silenciará todos.