Ele assina a direção de cinco longas e a produção de outros três. Cidade de Deus, de 2002, seu terceiro filme, lhe rendeu notoriedade internacional, indicação ao Oscar de melhor diretor e um convite para rodar O Jardineiro Fiel (2005). Seu último filme, Ensaio Sobre a Cegueira (2008), abriu o Festival de Cannes. Apesar da recepção morna da crítica, conseguiu levar cerca de 900.000 espectadores aos cinemas só no Brasil. Com currículo invejável, Fernando Meirelles, também produtor de minisséries de TV, agora acrescenta mais uma função na sua ficha de serviços prestados ao audiovisual brasileiro: a de curador. A nova tarefa é fruto de um assunto sobre o qual o diretor pensava havia algum tempo: a falta de uma aproximação maior entre diretores, atores e o público nos lançamentos dos filmes brasileiros, prática bastante comum em outros países e pouco utilizada aqui.
Dono, em sociedade com a Pandora Filmes, de um dos cinemas mais tradicionais de São Paulo, ele chamou para si essa responsabilidade e resolveu selecionar um filme para cada mês do ano e convidar os diretores e atores para debaterem com a platéia na série Encontros HSBC Belas Artes. O projeto começa na próxima terça-feira, com a presença do diretor Maurício Farias, de Verônica, que estreia nesta sexta-feira. A atriz Andrea Beltrão também participa do encontro. Em entrevista a VEJA.com, Fernando Meirelles fala sobre a nova experiência e sobre os possíveis reflexos da crise financeira mundial na produção cinematográfica do país. Ele também discute a dependência do cinema brasileiro dos incentivos do estado e seus próximos projetos:
Qual é o objetivo dessa série de encontros com os diretores?
A proposta é fazer a estreia de um filme na sexta-feira e, na terça seguinte, contar com o diretor e quantas pessoas do elenco a gente conseguir trazer para debater o filme após a sessão com a plateia. Inicialmente, eu ficarei de mediador. É algo que não tem muito no Brasil e é muito comum lá fora. Eu, particularmente, participei muito desses tipos de encontros nos Estados Unidos. Cheguei a fazer quatro em um dia, eu e o elenco do filme numa espécie de caravana. Fazia um cinema, terminava e seguia direto para outro cinema, e assim ia fazendo outro e outro.
Foi daí que surgiu a idéia?
Sim. Eu sempre questionava porque ninguém fazia isso aqui no Brasil com regularidade. Daí eu pensei: eu tenho um cinema e sou amigo de todos os diretores e atores, por que não fazer eu mesmo? Liguei para a pessoa que cuida da programação do cinema, mandei e-mails para os diretores e todos toparam. A intenção é tornar isso permanente durante todo o ano.
É uma maneira também de criar público para o cinema brasileiro?
É uma estratégia muito utilizada pelas distribuidoras para os lançamentos dos filmes nos Estados Unidos, e funciona. Eles gravam, vai ao ar na internet, saem notas nos jornais. Se as distribuidoras daqui passassem a adotar esse esquema seria ótimo. Acho que ainda vamos chegar lá. Para o público que gosta de cinema, como aqueles que frequentam o HSBC Belas Artes, que é uma espécie de cineclube, é uma possibilidade fantástica. De repente, você vê a atriz morrer no filme e ao ligarem as luzes ela estar ali na sua frente para conversar sobre as impressões do filme com você.
E como é para o diretor essa experiência de conversar com o público?
É uma delícia pegar um público normal, que assiste cinema com atenção, e sentir o que eles perceberam no filme o que funcionou e não, coisas que eles acharam que o filme queria dizer e você nunca tinha imaginado aquilo. Eu acho que também deve ser legal para a plateia porque as três experiências que fizemos lá no HSBC Belas Artes - com o meu Ensaio Sobre a Cegueira, Feliz Natal, do Selton Melo, e o filme dos Titãs - lotaram.
Como o senhor lida com a crítica?
É chato trabalhar dois anos em um projeto, pensar exaustivamente sobre cada linha, sobre cada inflexão, como a luz vai cair, sobre o tempo que demora a pausa, aí um cara vai lá e em uma hora e meia dá seu julgamento. Sempre quando um diretor de filme lê a crítica, a primeira sensação é de que o crítico não viu nada, não enxergou nada, porque tem tantas intenções lá. E é claro que ele não conseguiu ver porque você ficou dois anos pensando naquilo, falou com o autor do livro e o cara em uma hora e meia já escreveu. A sensação que o diretor tem é que esse cara é um idiota, porque não entendeu meu filme. Ele pode até ter razão. Estou falando da sensação de quem recebe. "Como é que ele não entendeu o que eu disse? Eu disse, mas ele não entendeu." No começo me incomodava muito. Agora, aprendi a não me incomodar.
Como foi com Ensaio Sobre a Cegueira?
Tomou porrada pra caramba. Mas não li nenhuma crítica, pois fui aconselhado a não ler. Só lembro da primeira crítica, que encerrou o texto dizendo que o filme não deveria ter sido feito. Ora! Um filme que fez 900.000 espectadores no Brasil certamente tem algum interesse. Então incomoda receber uma crítica dessa.
A atriz americana Meryl Streep disse recentemente que a crítica cinematográfica está ficando cada vez mais irrelevante, levando em consideração a voz que a internet tem dado às pessoas de ecoarem suas opiniões através de blogs, fóruns e sites sobre cinema. O senhor também acredita que a crítica está mudando de papel?
Sim. Acho que não só a crítica, mas acho que as pessoas que eram detentoras da informação estão ficando cada vez mais desimportantes e nunca mais vão ter a importância que tinham há dez anos. A versão delas vai ser apenas uma entre tantas outras.
E como lidar com essa variedade de opiniões?
Você acha a fonte que mais confia e lê, mas é preciso sentir se há imparcialidade. Se eu percebo que está sendo parcial, eu paro de ler imediatamente, porque aí ele não está me informando, e sim me passando apenas o ponto de vista dele. Daí eu prefiro partir para um outro ponto de vista, talvez mais parecido com o meu.
O brasileiro vive um momento de desinteresse pelo cinema nacional?
Eu não acho. O campeão de bilheteria nessas últimas três semanas é o brasileiro Se Eu Fosse Você 2, que já passou dos 4 milhões de espectadores. No ano passado, o cinema brasileiro fez 10% do share de mercado, o que é razoável. Esse ano vai subir. Só o filme do Daniel Filho já vai ajudar a manter essa perspectiva alta para este ano.
O senhor acredita que Se Eu Fosse Você 2 pode alavancar o interesse pelos filmes nacionais?
Sem dúvida. Quem assistiu e gostou - e pelo visto todos gostam, porque as salas estão lotadas -, na próxima oportunidade que tiver vai assistir a outro filme brasileiro, talvez no mesmo estilo.
Existe uma polêmica, endossada por um comentário feito no ano passado por um dos diretores da Ancine, de que o Brasil produz mais filmes do que sua atual capacidade de público. A causa dessa superprodução seria os investimentos que o governo tem feito nos últimos quinze anos. Não está na hora de o cinema ser mais independente das verbas do governo?
A questão da superprodução é fato. Foram 80 filmes lançados no ano passado. Os filmes que vão bem de bilheteria se pagaram, mas a maior parte dos filmes brasileiros, uns 95%, não se pagam na bilheteria e dependem de verbas do governo. Eu acho que é assim mesmo que tem de ser. Assim como escola não é um negócio que tem de dar lucro. Não se pode montar uma escola pública e depois resolver fechá-la por achar que ela é deficitária porque só tem 400 alunos e todo mês se põe dinheiro nela. Educação é obrigação do estado e cultura também.
Depender do estado não é um ponto fraco dessa indústria?
Pouco a pouco estão se abrindo outros canais. A O2 Filmes, minha produtora, por exemplo, tem um acordo com a Universal. Estamos produzindo um filme chamado Vips e fizemos no ano passado À Deriva. Metade do dinheiro era do governo e metade da Universal. Nessa nova produção, um terço do dinheiro é do governo e dois terços são dinheiro de verdade. Parcerias desse tipo estão surgindo para outras produtoras, mas sempre vai depender do estado. Na França, o governo banca. Até os Estados Unidos bancam um pouquinho. No México, não tem financiamento estatal e por isso eles estão mal também. Em quase toda parte do mundo em que o cinema é forte é o estado quem banca. O que está errado nessa equação, e talvez aí alguns colegas discordem, é o acesso. O governo financia o filme mas nem sempre os produtores dão a contrapartida social. O estado dá o dinheiro e o filme entra em um cinema que custa 14 reais. Quer dizer, o financiamento é para um público que pode pagar 14 reais de ingresso. Isso é uma distorção, acho isso errado.
E como pode ser feita essa contrapartida?
Depois de um período de exploração comercial no cinema e na venda de DVDs, o produtor que pegou dinheiro do estado tem necessariamente de ceder o seu filme para a TV pública ou para um cinema com ingresso mais barato. Só assim o cinema nacional vai chegar ao público. Toda vez que o Cinemark faz um dia por ano de cinema brasileiro a 2 reais eles lotam da primeira à última sessão de todos os filmes em cartaz.
Então o cinema brasileiro tem público?
Público tem, só que não pode pagar 14 reais para ir ao cinema. Agora, fazer o estado financiar um produto que vai ser visto por apenas uma parcela da população está errado. O estado tem obrigação com todos. Não é seu dever pagar para mauricinho vir aos Jardins assistir. E isso pode ser corrigido.
A crise financeira mundial pode piorar essa situação?
No cinema internacional a crise já chegou. A Universal, que fez um corte de 500 milhões de dólares no seu orçamento, já pediu para enxugar os gastos da parceria com a O2. No Brasil, eu acho que a gente vai sentir esse baque em 2010, porque a crise está chegando às empresas agora e o faturamento delas em 2009 vai ser mais baixo. O dinheiro que vai para o cinema é uma porcentagem do imposto. Todo mundo vai ter menos imposto a pagar e, portanto, vai ter menos dinheiro vindo do imposto. Quem está filmando em 2009 está fazendo isso com recursos do imposto de 2008. Quem for filmar em 2010 acho que tende a ficar sem dinheiro.
Em que o senhor está trabalhando no momento?
Estou terminando de montar uma minissérie intitulada Som e Fúria, de doze capítulos, que vai ao ar pela TV Globo em julho. Tenho dois projetos de longa e tenho de escolher um deles para filmar entre setembro e outubro deste ano. Estou esperando até o final de março para decidir qual deles vou fazer, se vou fazer. Eu aposto também na possibilidade de não fazer nada neste ano. Tenho uma casa para reformar, a minissérie... Talvez queira aproveitar um pouco mais da vida.
Como o senhor escolhe seus projetos?
É totalmente subjetivo. Eu era muito arrebatado, agora aprendi a ser mais paciente e pensar três vezes antes de tomar alguma decisão.
Quantos roteiros o senhor recebe e lê?
Recebo muitos e de vários lugares. Só nesta semana eu recebi quatro. Eu li um que é muito legal. É uma comédia familiar de um garoto de 15 anos que é massacrado pelos pais. Recebi outro que é baseado na biografia da colombiana Ingrid Betancourt. Um outro é a história de uma chinesa que vai procurar o marido dela que está escravizado em um posto de petróleo em Angola. Ela vai procurar o marido e se apaixona por um angolano. E o quarto é um megaprojeto sobre um herói de guerra inglês na Jamaica. Esse vai sair. É um projeto de 80 milhões de dólares.
O senhor tem pessoas específicas com quem prefere trabalhar?
Tenho: os amigos. Nessa minissérie que estou terminando para a Globo, por exemplo, trabalhei com um monte de gente com quem eu nunca tinha trabalhado antes na vida e nem conhecia pessoalmente e viraram meus amigos porque eram adequados para os papéis.
Seu nome virou sinônimo de material de boa qualidade e dimensão internacional. Qual é a receita do sucesso e como lidar com ele?
Trabalhar como um idiota e talvez uma certa dose de intuição. Mesmo assim, acho que esse tal de sucesso é poeira e passa, mais dia ou menos dia. O truque é não cair na cilada de acreditar que isso tenha algum valor.
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