quinta-feira, 1 de novembro de 2007

CRIAÇÃO DA PERSONAGEM - Constantin Stanislavski (1)

O Período do Estudo

A preparação de uma personagem pode ser dividida em 3 partes: estudo da personagem; estabelecer a vida desta; colocá-la em forma física.

Entrar em contato com a sua parte é o período preparatório em si. Começa com a primeira impressão que você vai ter na primeira leitura da peça. Este momento é muito importante e pode ser comparado com o primeiro encontro entre um homem e uma mulher que se apaixonam. As primeiras impressões podem ser o melhor estímulo ao entusiasmo e ao fervor artístico, estados que são muito significativos no processo criativo. As primeiras impressões são inesperadas e diretas, não são premeditadas e estão livres de qualquer tipo de preconceito. Como não são influenciadas por críticas, estas saem livremente das profundezas da alma do ator para imergirem em sua natureza e seguidamente deixarão suas marcas, as quais serão as bases para a criação da personagem. Para poder registrar estas primeiras impressões, o ator deve estar receptivo. Concentração emocional é essencial!!!! Um ator deve aprender a preparar seu estado de espírito para iniciar seus sentimentos artísticos, para conseguir abrir sua alma. As circunstâncias externas para a primeira leitura do texto também devem estar armadas e devem estar acompanhadas de uma certa cerimônia. Se quisermos convidar nossa alma para um estado pleno de alegria, de flutuação, devemos estar espiritualmente e fisicamente alegres e flutuantes.

O preconceito é o maior obstáculo que enfrentamos para receber as impressões puras e frescas. Ele bloqueia nossa alma e é criado pela opinião dos que estão à nossa volta. No começo do processo de criação e até que o ator crie seu próprio relacionamento com a peça, o ator deve tentar não se deixar influenciar por opiniões externas. Assim, o ator pode estabelecer suas emoções em relação à sua personagem livremente. Se o ator for impulsionado a procurar ajuda para clarear circunstâncias internas e externas da personagem, assim como condições de vida das personagens da peça, deixe que o ator o faça sozinho. Somente assim o ator pode intuir que questões ele pode expor aos outros sem violentar sua relação individual com sua parte. Deixe o ator somatizar suas emoções, seu material espiritual, sua reflexões sobre a personagem, até que seus sentimentos estejam definidos, concretos e que seu senso criativo em relação á personagem já esteja cristalizado. Ator, lembre-se: sua própria opinião é melhor do que qualquer opinião externa, porque pode gerar racionalidade no processo criativo, sem apelo à suas emoções, que são tão importantes nesta fase.

Na linguagem do ator: SABER = SENTIR

Compreenda a estrutura da peça, seu ponto de partida, os sentimentos e pensamentos que impulsionaram o escritor a colocar a caneta no papel. Essa capacidade é muito útil ao ator, desde que não interfira na visão que ele vai ter de si mesmo na alma da peça.

É muito bom quando um ator consegue compreender a peça instantaneamente, com todo seu ser, sua mente e seus sentimentos. Mas é muito mais comum que na primeira leitura, somente momentos individuais sejam fixados nas emoções do ator, enquanto que todo o resto é vago, nebuloso e estranho. Os flashes das impressões, os poucos sentimentos que ficam, são como um oásis no deserto, ou pontos de luz na escuridão. Mais tarde, quando ficamos mais familiarizados com a peça e nos sentimentos mais próximos dela, o que de cara parecia somente alguns fragmentos, agora os pontos de luz propagam-se, crescem e agrupam-se entre si, até que conseguem preencher o total entendimento da peça. Infelizmente muitos atores não se dão conta da importância destas primeiras impressões. Eles encaram este estágio do trabalho sem muito cuidado e não consideram parte do processo produtivo. Quantos de nós fazemos sérias preparações para a primeira leitura do texto? Sobre estas circunstâncias, perdemos importante ocasião criativa, pois em leituras posteriores, são desprovidas do elemento surpresa, o qual é tão essencial para nossa intuição criativa.

Mas o que o ator deve fazer em relação às partes do texto que não evocam o milagre da compreensão intuitiva? Tais partes devem ser estudadas e desde que as emoções são silenciosas, devemos recorrer ao conselheiro mais próximo das emoções: a mente. Deixe que a mente lhe guie e lhe ajude a desvendar todas as direções da peça. Deixe a mente ser a pioneira, abrindo caminho para as forças criativas, intuitivas e sentimentos. Quanto mais detalhada, variada e profunda é a análise mental do texto, maiores são as chances de encontrar estimulantes do entusiasmo e do material espiritual para sua criatividade inconsciente.

Uma peça e suas personagens apresentam muitos planos. Existe o plano exterior dos fatos, dos eventos, da trama, da forma. Continuando com o plano da situação social, subdividido em classes, nacionalidades e fatos históricos. Seguido do plano literário, com suas idéias, com seu estilo e outros aspectos. Existe também o plano estético/artístico, com as subdivisões de tudo o que é teatral, artístico, estando ligado ao cenário e à produção. O plano psicológico da ação interna, sentimentos, caracterização interna; e o plano físico, com suas leis fundamentais da natureza física, objetivos físicos e ações, caracterização externa. E finalmente, há o plano de sentimentos criativos pessoais, que pertencem única e exclusivamente ao ator.

Estudando as Circunstâncias Exteriores

Nossa análise e entendimento da peça parte da sua forma externa (texto impresso) e vai até sua essência interna espiritual. Vamos da periferia para o centro, do consciente ao inconsciente da peça. Assim, começamos a saber (sentir) as circunstâncias propostas pelo escritor, para depois sentir (saber) emoções sinceras ou pelo menos os sentimentos que aparecem ser verdadeiros. No começo da minha análise, não estou interessado em sentimentos – eles são intangíveis e difíceis de serem definidos – mas estou interessado nas circunstâncias sugeridas pelo escritor, que podem levar ao entendimento dos sentimentos. Quando o escritor criou a estória, cada minúscula circunstância, cada fato foi importante. Cada um foi uma ligação importante na cadeia da vida da peça.

Como podemos entender de trás para frente os fatores externos da peça? Nemirovich-Danchenko nos apresentou uma atividade simples, mas muito inteligente. Consiste em recontar o conteúdo da peça. Deixe o ator saber de cor o roteiro da peça e peça para que ele escreva os fatos existentes, sua seqüência e as conexões físicas externas que as personagens estabelecem entre si. Este método ajuda não só a pegar os fatos e a orientar-se em relação aos outros, mas também atinge uma substância mais interna, suas inter-relações e interdependência.

O ator deve sempre sentir que há um passado da sua personagem por trás dele. Assim como um futuro, seus sonhos, adivinhações e intuições sobre a personagem. Os sonhos sobre o futuro devem guiar o ator durante suas ações no palco. Uma conexão direta entre presente, passado e futuro da parte dá uma magnitude para a vida da personagem a ser feita. Se o ator formar bases para sua personagem com o futuro e com o passado, este poderá apreciar seu presente com muito mais força!

Bom, este resumo eu estava fazendo para a Oficina do Satyros, mas... parece que o interesse do pessoal lá não é aprender a teoria do teatro, então... sem choro nem vela vou continuar fazendo meus resumos e vou dividí-los aqui no meu blog. Estou lendo também o Ator Compositor do Matteo Bonfitto e também vou disponibilizar um resumo deste livro.

5 comentários:

Anônimo disse...

Mto obrigado mesmo hein, estava com duvidas na criação da minha personagem, mas com base nos dados apresentados, eu sanei algumas duvidas!

Vivi Rasia Cardoso? disse...

Fico contente em poder ajudar "Anonimo"!!! Leia o material do Stanilavski!!!! Sao 3 livros que devem ser a biblia do ator, pelo menos qq ator q se preze, deve ter lido os livros dele. Merda pra vc!

Anônimo disse...

Nossa esses textos são otimos! Sou estudante de Artes Cênicas de Brasília,estou estudando sobre Stanislavski e esses textos me ajudaram muito.Parabééns!
abraços Giovana Segadilha

Fernando Loner disse...

Olá,

Estou lendo seu texto e o curso de teatro que faço, é focado no método no método do Constantin Stanslasvki, porém possuo uma dúvida:

Caso eu esteja encenando um personagem que esteja enganando todos em cena e somente no final do espetáculo será revelada a verdade o que devo fazer?

Acreditar que sou o personagem que representou ou acreditar ser quem o personagem finge ser?

Agradeço a atenção.

Fernando Loner
Blog: fernandoloner.com

Vivi Rasia Cardoso? disse...

Fernando, vc não deve fazer nada. O personagem não se representa, se sente. Se vc vai enganar todos os outros isso deve ficar mascarado ao longo do espetáculo, pq senão alguem vai pescar qual é o teu propósito ali. Na verdade sem ter um texto e um personagem específico fica dificil responder pq cada caso vai ser um caso. As vezes se quer mostrar, as vezes não. Criar um personagem é tâo complexo quanto viver!